A luz da lua competia com as luzes da cidade num cenário
majestoso que só podia ser observado daquela altura.
Seus olhos vagavam vazios pela paisagem com os pensamentos
perdidos em memórias e os pés balançando do lado de fora da cobertura do prédio,
soprados pelo vento forte há mais de 30 andares.
Lá embaixo, na rua, os carros e as pessoas passavam de
um lado para o outro em agitação.
Por mais que alguém pudesse ter a ideia de olhar para cima,
jamais conseguiriam enxergá-lo ali. Era muito alto e muito escuro para que
olhos humanos pudessem perceber alguma coisa.
- Ora, ora... Estava eu cuidando de minha vida quando de repente
tive a intuição de que te encontraria aqui. – disse uma voz feminina vindo das
sombras atrás do garoto, mas ele não se virou pra ver quem era. Não precisava,
reconheceria aquela voz em qualquer lugar. – Então pensei comigo: “Por que não?
Está uma bela noite de qualquer forma.”. O que faz aqui?
- Você não deveria estar aqui. – ele respondeu de forma fria. –
O que você quer Rebeca?
- Quanta gentileza... – ela ironizou.
Ela saiu das sombras e caminhou lentamente. Aproximava-se com um
sorriso malvado de quem poderia facilmente empurrá-lo dali de cima e, por mais
que tivesse certeza que uma investida tão medíocre jamais fosse funcionar, não
queria perder a oportunidade de lhe causar certa insegurança.
Infelizmente para ela foi em vão. Tão perdido em si mesmo, ele
não pareceu se alterar nem mesmo quando ela parou imediatamente atrás dele, tão
próxima que por um momento se perguntou se realmente poderia matá-lo.
E poderia? O que a impedia de tentar?
Rebeca respirou fundo e se contentou simplesmente em sentar-se
ao seu lado.
- Que tal uma trégua? – ela perguntou levianamente enquanto se
acomodava e olhava para a lua. - Apenas por essa noite.
- Trégua?
- Sim. Nós já fomos amigos, se é que você se lembra.
- Lembro como se fosse ontem... – ele replicou com um sorriso
falso nos lábios. – Como nos dávamos bem.
- Uma bela dupla. Nós éramos os melhores...
- Sim, os melhores... Até você me trair e me deixar para morrer.
Oh, não... Espere. Você mesma que tentou me matar.
Os dois se viraram ao mesmo tempo e se olharam nos olhos.
Ela lembrava bem do que havia feito e naquele instante se
perguntou o que raios a fez pensar que algo assim poderia simplesmente ser
deixado de lado por um pouco de paz. E pior... Como ele conseguia manter aquela
frieza?
No lugar dele ela provavelmente já estaria de pé. Estaria
lutando. Tentando se vingar.
Provavelmente era isso que a feria mais. A completa falta de
emoções...
A indiferença dele era de longe o pior e mais cruel dos
castigos. Pois se ele se voltasse contra ela, mesmo que fosse por ódio, por
raiva... Ainda assim...
...Eles teriam um laço...
Naquele longo momento de poucos segundos, enquanto se encaravam, uma
série de sentimentos se misturou dentro de Rebeca. Ela queria matá-lo, mas ao
mesmo tempo queria fugir. Queria pular e desaparecer pra sempre, apagar seus
erros, mas também queria abraçá-lo mais uma vez. Queria pedir perdão... Mas
também queria dizer que a culpa havia sido toda dele...
Então ela simplesmente se rendeu...
- Está bem... – ela disse por fim. – Já entendi... Vou te
deixar em paz.
Baixou a cabeça e suspirou enquanto se levantava ao mesmo tempo
em que ele voltava seu olhar para o horizonte sombrio daquela noite.
Ainda parada ao lado e de costas para ele, repensou seus
atos e o que sentia. Olhou ao redor e lembrou quantas madrugadas passaram
juntos naquele mesmo lugar.
Mais uma vez baixou a cabeça, era passado afinal...
Preparava-se para dar o primeiro passo, mas antes que pudesse se
afastar um centímetro sentiu um calor envolver sua mão e lhe segurar.
- Uma trégua... – ele disse em um tom vago, pouco mais alto que
um sussurro e apenas o suficiente para que ela conseguisse ouvir e entender. –
Apenas por essa noite...
Rebeca não conseguiu evitar sorrir e ficou ainda mais contente
pelo fato dele não a estar olhando para contemplar o efeito que aquelas
palavras haviam provocado nela.
Ainda tendo a mão quente junto da sua e com o coração
descompassado, não pode deixar de pensar em tripudiar um pouco. Talvez
ignorá-lo? Desdenhar de seu pedido e dizer “Você acreditou mesmo?”.
...Mas valeria a pena?
- Maldito... – ela murmurou pra si mesma após alguns segundos, ali
parada ao lado dele, olhando para as luzes da cidade e segurando firme sua mão.
– No final das contas eu nunca consegui dizer não pra você...
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