Yue Jaded: O Imperador Imortal (Parte 3)


E então o velho se calou.
Foram os anos que passou contando histórias que fizeram com que desenvolvesse este hábito. Esta era a hora em que fica em silêncio apenas para observar a platéia, ver o quão envolvidos os ouvintes estavam e então deixar que alguém perguntasse o que aconteceu a seguir.
Infelizmente para ele sua única platéia era aquele garoto tão auto centrado que não parecia nem um pouco disposto a perguntar nada.
O velho suspirou. O jeito era continuar mesmo assim.

- Sim... Ele bebeu o sangue do dragão. Colocou suas mãos sob a ferida no peito da criatura e colheu o sangue como se fosse água escaldante de um rio em chamas. Levou-o a boca e tomou de um só gole. Por três dias, sozinho ao lado do cadáver da fera, ele sofreu dores alucinantes por todo seu corpo. Amaldiçoou a criatura por tê-lo enganado e amaldiçoou a si mesmo por ter sido deixado enganar.

- Mas não era engodo nenhum. – Afirmou o garoto com convicção. – Não era veneno.
- Não... Não era...

O soldado estava febril.
Sentia como se seus ossos estivessem sendo esmigalhados e seus músculos rasgados. Sentia como se seu sangue fervesse dentro de suas veias.
Mas em meio a toda a dor e loucura ele conseguiu forças para se levantar e caminhar.
Em seus delírios ele via seus inimigos. Passo a passo caminhava na direção deles e implorava para que o matassem.
Mas as ilusões de seu cérebro aquebrantado apenas o fizeram caminhar no escuro e sem perceber o caminho o soldado acabou caindo do alto de um grande desfiladeiro.

- E então ele percebeu que era imortal. - Continuou o garoto, como se soubesse tudo a respeito daquilo.
- Sim. Quando finalmente deu por si, dias mais tarde, sem febre e sem dor... Ele percebeu que era imortal.

...E fez justamente o que o dragão lhe orientou a fazer.
Abriu com sua espada o próprio peito e arrancou o coração ainda pulsando para escondeu-lo longe de tudo... Longe de todos...
Foi assim que dali por diante ele permaneceu vivo. De peito vazio e sem que houvesse no mundo coisa que pudesse detê-lo, pois não havia obtido apenas a imortalidade, mas também acabou ganhando parte da força e dos poderes do dragão.
Retornou para sua casa e não demorou a decidir se voltar contra seu próprio rei, assumindo o trono pela força e mais tarde, através de inúmeras guerras com os reinos vizinhos, criar um vasto império.
Finalmente seu sonho estava sendo atingido e com o passar dos anos ele passou a ser temido no mundo inteiro.

- Que bom pra ele. – Disse o garoto com desdém. – Mas a história não acaba aí, não é?
- Por que? Você não gosta de finais felizes?

O garoto não respondeu. Limitou-se a olhar para seu companheiro com uma expressão descontente. Então o velho riu e continuo a falar:

- Parece não ser possível realizar grandes feitos sem arranjar alguns inimigos no processo.

Então algum tempo depois um certo mago muito poderoso surgiu e formou uma ordem.
De alguma forma este mago sabia que os poderes do imperador vinham do pacto com o dragão e que o coração devia ser encontrado para que ele finalmente pudesse ser detido.
Mas o imperador não era nenhum tolo. Não, muito pelo contrário. Aquele soldado que sonhava em ser o maior guerreiro de todos os tempos era um homem obstinado. Talvez até mesmo obsessivo.
Então muito tempo antes daquele mago aparecer ele já havia iniciado sua obra.
Assim que se deu conta de sua imortalidade o tal soldado soube que seu ponto fraco não deveria ser ignorado. Primeiro ele apenas enterrou seu coração o mais fundo que conseguiu em um local que apenas ele pudesse encontrar, mas não demorou até se sentir inseguro e com medo.
Era preciso mais do que isso, mais do que apenas enterrar.
Por dias e noites o imperador imortal desenhou e continuava a desenhar o que veio a ser a planta de uma gigantesca construção para a qual muitos dos homens escravizados nas diversas guerras eram enviados para construir por quanto tempo suas vidas durassem.
Primeiro grandes muros foram erguidos ao redor da primeira cidade dominada, a capital do primeiro reino que tomou. As pessoas que lá viviam acreditaram que se tratava de mais uma forma de proteção e não estavam de todo enganadas.
Ao cabo do primeiro ano após o inicio das obras ninguém mais tinha autorização para ir e vir da cidade. As pessoas foram movidas a força, obrigadas a abandonar suas casas ou resistir e morrer. E mesmo quando a cidade estava completamente vazia, as construções continuaram.
Fosse o que fosse que o imperador queria proteger, não era seu reino e nem seu povo. Mas o que afinal seria tão precioso? Ninguém sabia dizer e quem tentava descobrir acabava morrendo.
Com o tempo o assunto foi deixado de lado, as revoltas foram contidas, a questão foi esquecida e as pessoas continuaram a viver.
Até que o tal mago apareceu, mas então já não havia mais qualquer chance de sucesso.
Ao redor daquela tal cidade um labirinto foi erguido. Suas paredes eram altas e ocupavam quilômetros e quilômetros. Por entre seus corredores armadilhas de todos os tipos foram instaladas. E ainda que um bom observador olhasse de fora, a mais alta das torres do castelo localizado no centro da cidade não passava de uma silhueta fina e indistinta, um borrão que se perdia no horizonte.
Assim o mago foi descoberto, encontrado e morto sem que conseguisse chegar a seu destino. O homem nunca descobriu como atravessar o labirinto.
Mais uma vez o imperador imortal se sobressaiu.
  
- O homem construiu um labirinto ao redor do próprio coração. – disse o garoto. – Muito inteligente. – ele riu. – Até mesmo poético, eu diria.
- Sim... De fato. Mas...
- Mas o que?

Mas o tempo continuou a passar...

Moon Ghost

Escritor, designer, fotografo, musico, programador, ator, jogador, artista marcial e o que mais der na telha. Criador de mundos e alterador de realidades nas horas vagas.

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