Yue Jaded: O Imperador Imortal (Parte 7 - FINAL)


Para chegar ao centro do labirinto havia pelo menos três caminhos.
A garota já havia previamente escolhido um em seus estudos e foi com muito custo e com o auxílio do mapa, apesar das inúmeras armadilhas do caminho, que ela chegou sem um arranhão sequer.
O caminho não foi fácil.
Ela não se atrevia a caminhar durante a noite. Poderia acabar se perdendo ou caindo em alguma armadilha. Então durante dois dias ela peregrinou por entre as paredes rochosas daquela enorme construção.
Antes de dormir ela marcava no chão com pedras a direção da qual tinha vindo, para onde estava indo e recolhia-se sempre próxima da parede a sua direita.
Foi na tarde do terceiro dia que seus pés cansado finalmente atravessaram os umbrais da passagem que dava para a cidade em ruínas.
...A primeira cidade conquistada pelo imperador.
As casas feitas somente de madeira e barro já haviam ruído e aquelas construídas com pedra, apesar de ainda estarem lá, davam claros sinais de estarem indo pelo mesmo caminho que suas irmãs mais frágeis. Muitas das paredes já estavam repletas de musgo e danificadas pelo tempo. As ruas tinham grama alta surgindo por entre os paralelepípedos, areia e terra acumulada.
Aquele era um lugar que ela nunca antes havia estado, mas que sabia exatamente para onde devia se dirigir.
Seus passos não estavam menos cuidadosos agora. Ela ainda prestava atenção em tudo em busca de possíveis armadilhas e talvez tenha evitado duas ou três, apesar de não ter certeza a respeito disso.
Foi assim, repleta de precauções, que ela atravessou o pátio do castelo e suas salas.
A esta altura, abandonado por tanto tempo, alguns recintos do primeiro grande castelo do imperador imortal já haviam ruído, mas suas fundações e sua estrutura principal sobreviveria por mais algumas porções de séculos. Talvez até mesmo milênios.
Através de pedra sólida ela seguiu. direto para a torre mais alta, para a antiga sala do trono.
Era lá, bem no meio, que encontrava-se o baú dourado.

Seus passos agora ecoavam na escuridão enquanto ela se aproximava devagar. Do lado de fora a noite já estava pra cair e os últimos raios de sol entravam pelas janelas cujas belas cortinas haviam se transformado em trapos.
O som abafado de pulsação transpassava as paredes do baú e foi com um ranger de velhas dobradiças que ela o abriu, sem qualquer esforço ou necessidade de chave.
Lá estava ele, o coração do imperador, ainda batendo... Ainda quente... Ainda vivo... E foi com ambas as mãos que ela o colheu de seu leito cujas almofadas há muito já haviam apodrecido.
Durante tudo isso a imperatriz esteve tão concentrada no que estava fazendo que nem ao menos se deu conta de que não estava sozinha. Das sombras, sem muito disfarce ou cuidados em se esconder, o imperador a observava. E foi somente quando ela pegou o coração entre as mãos que ele decidiu sair de onde estava e caminhar em sua direção com passos lentos e decididos.
Assim que o notou, ela recuou. Seus olhos se encontraram com a luz do por do sol e por mais assustada que estivesse naquele momento, ela não tinha como evitar perceber o tamanho de seu erro.
Ela esperava por raiva, mas na face de seu marido só havia tristeza. Uma sofrimento que estava além de qualquer outro que ela já tivesse sentido antes. Algo tão palpável que, por mais que ele não pudesse expressar em lágrimas, ela podia sentir. Talvez por ter em suas mãos o coração, mas ainda assim... Independente de qualquer explicação, ela sabia que a razão de tamanho sofrimento era ela.
E então, de uma só vez todas as dúvidas da imperatriz foram varridas de sua mente! Sim, ela o amava. Ela o amava acima de qualquer coisa e agora sabia disso.

Mas era tarde...

O imperador desembainhou sua espada e aproximou-se ainda mais.
E ela, ainda tendo seu olhar preso ao dele, não conseguiu sequer se mover.

...O golpe foi rápido, certeiro e com a precisão de quem passou séculos lutando...

O coração atravessado pela própria espada do imperador começou a sangrar entre os dedos da esposa e ele caiu de joelhos diante dela com o metal de sua armadura ecoando no salão.
Em um segundo momento ele já estava completamente atirado ao chão enquanto lágrimas corriam como cascatas dos olhos de sua amada.
Ela se ajoelhou ao seu lado, pediu perdão e suplicou para que não a deixasse.
...E em suas ultimas palavras, tudo o que o imperador disse foi:

“Agora, no fim você implora por perdão, mas não mais posso conceder-te minha misericórdia.
Dei tudo o que tinha, mas não foi o bastante...
Partirei desse mundo magoado. Ferido como ninguém jamais me feriu. Deixando-te com castigo igual ao meu...
Matei meu próprio coração para que parasse de doer.

Perceberá em breve, minha amada...
...Ninguém é mais solitário do que o ultimo homem de pé..."

- Dizem que a imperatriz não suportou e se matou em seguida com a espada do marido. Quem sabe? – disse o velho. – De qualquer forma... Esta é a história do imperador imortal.

O garoto permaneceu mudo e inexpressivo por alguns instantes. Contemplava a face do velho a sua frente enquanto ambos eram iluminados pela fogueira.
O silêncio e a postura estática do garoto duraram alguns segundos, até que o velho decidiu arriscar:

- E então, o que achou?
 - Se só estavam os dois na torre, como é que sabem o que foi dito e o que aconteceu ali? – o garoto perguntou depois do seu longo silêncio.
- Lá vem você de novo com suas malditas análises! Não entende por que contei esta história? Não entende os ensinamentos que ela transmite?
- Não confiar em mulheres? – o garoto ironizou. - Pois bem... Diga-me você, velho. Sem delongas. O que quer me dizer?
- Você, meu rapaz, é como o imperador imortal...
- Quer dizer então que vou dominar o mundo? – o garoto sorriu.
- Talvez, quem sabe... Mas me refiro ao labirinto que vem construindo ao redor de seu coração.

Novamente fez-se silencio entre os dois.

- Pois quer saber o que eu acho, velho? Acho esta história uma grande besteira. Uma péssima invenção para entreter velhos, crianças, mulheres e bêbados.
- Ah é? Então você ainda não se deu conta de por onde estamos viajando há dias...

O garoto observou seu interlocutor com maior cuidado.
Uma coisa era o velho querer inventar histórias, mas agora ele parecia estar subestimando completamente  as capacidades de observação do terreno que o garoto tinha, algo do qual sua vida dependia e ele levava a sério.

- Toda essa vastidão árida e deserta... É assim que você será quando seu labirinto ruir... Pois é aqui! Exatamente aqui onde estamos que se encontrava o grande labirinto do imperador imortal. Neste exato momento estamos sentados bem em cima de onde provavelmente ficava a torre onde a história teve seu desfecho...

Nada mais foi dito entre eles naquele momento.
Se aquele era mesmo o lugar, o garoto não tinha como saber. Pelo menos não naquele momento.
Talvez a história não fosse apenas fantasia...
Então os dois terminaram de comer e se prepararam para dormir.
O garoto tinha mais do que a carne do jantar para diferir. A história e as palavras do velho estavam em sua mente.

Foi só quando se deitaram que ele finalmente falou:

- Se o que diz é verdade, então este imperador foi um grande idiota. - disse enquanto se deitava em sua cama. - E talvez você tenha razão. Talvez eu esteja construindo um labirinto ao redor do meu coração.

Por um momento o velho quase teve esperanças de ter atingido seu objetivo, mas conhecia aquele garoto bem demais pra saber que sempre havia um porém.

- Mas se for assim, estou seguro em meu labirinto. Não tenho interesse em deixar que alguém se atreva a se aproximar. E não vejo motivos para confiar em quem quer que seja, velho. Sua história foi uma perda de tempo.

O velho suspirou enquanto deitava-se em sua cama improvisada e colocava sua espada bem ao seu lado.

- Baaah. Você realmente não sabe de porcaria nenhuma, garoto – replicou. - Não se trata de confiar, mas sim de amar. Amor, garoto. Você entende o significado desta palavra?

Silêncio...

- Sua história é idiota como você, velho... E idiota como o que acabou de dizer.

“Só podemos amar e odiar aqueles que verdadeiramente tocam nossos corações...
Eu serei sempre o ultimo homem de pé!”

Moon Ghost

Escritor, designer, fotografo, musico, programador, ator, jogador, artista marcial e o que mais der na telha. Criador de mundos e alterador de realidades nas horas vagas.

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