Yue Jaded e Amethista: Cena 03


Era uma destas tardes de outono.
Do lado de fora a chuva caía fria e em gotas finas que escorriam pela janela de vidro. O céu estava nublado e nem sequer havia muito vento. Apenas aquele gotejar monótono e contínuo que facilmente nos coloca pra dormir.
Do lado de dentro o fogo ardia na lareira onde uma grande chaleira havia sido pendurada e começava a fumegar.
Havia ali também no centro da sala sobre o piso de pedra um grande tapete felpudo, de fios altos e marrons onde um gato gordo e de pelo branco dormia confortavelmente. Estava esparramado daquele jeito que somente os gatos sabem fazer.
As poltronas pareciam um tanto velhas, mas ainda confortáveis. Nas paredes algumas prateleiras repletas de livros e objetos estranhos que tornavam difícil distinguir o que realmente era decoração e o que era utensílio.
Todo aquele cenário parecia dançar calmamente sob a iluminação do fogo que dançava calmamente... E é claro que isto deixava Amethista ainda mais entediada.
A garota estava sentada numa cadeira de madeira e debruçada sobre os braços apoiados no batente da janela.
As vezes olhava para fora.... As vezes para seu reflexo...
As vezes olhava para uma gota qualquer que escorria no vidro e então de repente não estava olhando pra nada.
Ela já estava piscando mais do que o normal, passando mais tempo com as pálpebras fechadas que abertas quando a chaleira começou a apitar com o vapor.

- Quanta emoção... - ela resmungou consigo mesma. - A água do chá está pronta. Uauu... Acho que vou infartar de tanta empolgação.

Voltou sua atenção para a lareira e movendo suas mãos no ar fez a chaleira flutuar de onde estava e levitar diretamente para a mesinha que ficava próxima a uma das poltronas.
O gato ao ouvir o som abanou o rabo uma unica vez. Talvez apenas para dar mostras de que ainda estava vivo.
Amethista se levantou e decidiu terminar o trabalho com as próprias mãos.
Pegou um dos objetos estranhos que decoravam o lugar, encheu de ervas e mergulhou dentro da chaleira.
Realizou esta tarefa com o mesmo cuidado que um rinoceronte teria ao tentar passar um fio de linha pelo buraco de uma agulha.
...Então se largou sentada e suspirando na maior e mais larga das poltronas individuais que haviam ali.

- Ikaos. - ela chamou. - Acorda seu gato gordo. Vai chamar o Yue. O chá está pronto.

O gato nem se moveu. Estaria realmente morto?

- Ikaaaooos... - Amethista chamou novamente, sem animo. - Anda... Levanta...

Mais uma vez o gato não se moveu.
Ainda sentada na poltrona, Amethista se curvou para frente e passou a encarar o gato com seriedade.
Apertou seus olhos e prestou atenção. Sua iris roxa reluzia por entre as pálpebras com a luz do fogo enquanto ela mordia levemente o canto do lábio inferior, mantendo-se em silêncio e respirando baixinho.
Por alguns instantes o único som além da chuva e do crepitar do fogo era o de um relógio fazendo tic-tac em outro comodo. E por alguns segundos Amethista realmente achou que Ikaos podia ter morrido... Pelo menos até ele levantar e baixar seu rabo em um movimento único.
A garota se pegou em duvida se ficava alegre por ainda haver vida naquele bicho preguiçoso ou se estava decepcionada...

- Pelo menos teria sido alguma agitação... - resmungou novamente consigo enquanto levantava e decidia ir ela mesma até Yue.

Mais uma vez com o movimento dos dedos fez a chaleira flutuar.

- Por favor, siga-me dona chaleira...

E então saiu daquela sala para uma outra ainda maior onde começou a subir uma escaria de madeira.
O resto da Torre, como era chamada aquela casa estranha, não estava tão quente quando a sala da lareira e por um momento ela sentiu frio. Também não estava tão bem iluminada e a pálida luz de fora acabava gerando sombras em móveis e objetos que assumiam um aspecto assustador.
...Mas não se pode dizer que ela estava assustada. Na verdade, talvez até se alegrasse caso visse um monstro ou fantasma, mas eram apenas móveis e velharias.
Ela parou diante de uma porta de madeira.

- Yue, trouxe o chá. - e bateu na porta enquanto a chaleira flutuava perto dela. - E é melhor que você queira chá. Por que se você não quiser...

Ninguém respondeu do lado de dentro do quarto.

- Yue? - ela chamou novamente enquanto batia outra vez. - Você está me ouvindo? Yue...

Um arrepio correu por sua espinha quando mais uma vez ninguém respondeu, mas talvez fosse apenas frio...
Olhou para baixo e viu uma estranha e oscilante luz saindo da fresta sob a porta.
Sua mão imediatamente subiu em direção a maçaneta.
Ela segurou firmemente e pensou duas vezes antes de girar. Mas girou... E a porta começou a se abrir devagar.
A luz de um ensolarado dia começou a escapar e a cegou brevemente ao mesmo tempo em sentia um calor de verão sendo soprado contra seu corpo pelo vento que emanava de dentro do quarto.
Seus olhos então se acostumaram com a luz e a porta que antes dava para o quarto de Yue, que ficava no alto daquela construção, provavelmente o equivalente ao quinto andar de um prédio, agora era a passagem para um bosque em um campo verdejante e ensolarado.
A chaleira que até então estava flutuando atrás de Amethista foi direto ao chão. Seu queixo também teria ido, mas uma vez preso pelos músculos da bochecha ele se contentou em ficar largado em boca aberta.
A garota ainda virou para o lado afim de observar a janela que havia no final do corredor, mas do lado de fora a mesma chuva vinda do céu cinza ainda caía.
Ela estava prestes a entrar quando alguém a segurou pela mão, entrelaçando seus dedos com os dela e fazendo a garota desviar a atenção.
Amethista se virou e contemplou Yue.

- Acho melhor deixarmos esse quarto fechado por enquanto, Amethista. - e com cuidado ele começou a puxar a porta para fechar.
- Mas... Por que? Esse lugar é lindo!
- Realmente é lindo, mas... - ele fez uma pausa proposital em seu discurso enquanto fechava e abria novamente a porta. Dessa vez não havia nada ali senão o seu velho e gelado quarto.- ...Prefiro não te perder pra ilusões.

Dessa vez Amethista entrou no quarto e começou a olhar ao redor, incrédula.

- Como você fez isso? - ela finalmente perguntou, depois de alguns segundos.
- Você quer mesmo saber?
- Claro que sim!!! - estava eufórica.
- Eu troco a informação por chá...
- Chá...?

"AAAAAAAAAH!!!! O CHÁÁÁÁ!!!!"

Moon Ghost

Escritor, designer, fotografo, musico, programador, ator, jogador, artista marcial e o que mais der na telha. Criador de mundos e alterador de realidades nas horas vagas.

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