Terra...
03
de Novembro de 2002...
Aeroporto
de Hong Kong
“Atenção senhores passageiros. Última
chamada para o voo 317 com destino a Tokyo, Japão...” – anunciou o comissário
no sistema de som enquanto Chung Fei corria quase desesperadamente dentro da
sala de embarque.
Estava “disfarçado de gente normal”, como
seu primo Hiyuri costumava dizer quando ele usava calça e camiseta.
Carregava também uma mochila nas costas a
qual agradecia por ser sua única bagagem. Com certeza não teria tido tempo de
despachar nada e não sabia se culpava o transito, seu mestre monge ou a
distancia do templo até o aeroporto.
- A gente não vai se atrasar? – Chung Fei
repetiu essa pergunta dezenas de vezes.
- Não... – respondia seu mestre a cada
vez.
Quando Chung finalmente chegou ao
aeroporto, atrasado como temia...
- Você disse que não íamos nos atrasar!
- Mas eu não estou atrasado. Quem vai
pegar o avião é você...
Lee corria desesperadamente desviando de
pessoas, saltando malas e até mesmo uma ou outra criancinha. Já estava próximo
ao seu portão quando, sem parar de
correr, resolve puxar a mochila das costas para encontrar seu passaporte.
O impacto foi inevitável...
- Você deveria prestar atenção por onde
anda. – disse o estranho homem contra quem Chung Lee se chocou. Ambos estavam
no chão.
- Desculpa... É que eu...
- Não foi nada. – o homem replicou em tom
sério e cortando a fala de Lee e começando a se levantar.
Não havia tempo para mais conversa.
O garoto também se levantou e voltou a
correr, mas agora carregando uma estranha e quase desagradável sensação a
respeito daquele indivíduo.
- É só minha imaginação. – disse para si
mesmo enquanto dava os últimos passos ofegantes e entregava seu cartão de
embarque para a aeromoça torcendo para ter dado tempo.
É com alivio que ele embarca.
Agora, em sua poltrona e com tempo, Lee
começa a se lembrar do que aconteceu enquanto seu olhar distante percorre as
nuvens abaixo do avião.
“Que cara estranho... E que sensação
forte...” – pensa consigo mesmo.
- Oi, mocinho. Tudo bem? – a senhora fala
no assento ao lado.
“Não é comum...”.
- Mocinho? Oi...
“Faz tempo que não sinto uma energia tão
mais elevada que a dos humanos”.
- Aloooo!!!
“Será... Que ele era humano?”.
- Que garoto mais mal criado...
- Ahn? Oi? A senhora falou comigo?
- Não! Eu não! – a senhora replicou com
raiva.
- Então tá...
Neste mesmo instante que Hiyuri chegava à
delegacia de Tokyo.
Como de costume estava atrasado, com cara
de sono e resmungando coisas aleatórias enquanto seu parceiro o seguia pelo
corredor de mesas em direção ao escritório do chefe.
Os braços soltos ao longo do corpo, o
tronco curvado para frente, o olhar serrado, a boca semiaberta e o cabelo
comprido parte solto, parte preso pela faixa branca em sua testa mostravam que,
em cinco anos em Tokyo, Hiyuri não havia absorvido quase nada dos costumes
japoneses ou de sua língua.
Pelo menos não mais do que a parte que lhe
interessava.
- Ohayou...*
errr... Konnichiwa* Hiyuri san. Konnichiwa
Fender san. – Cumprimentou um dos policiais.
- Konnichiwa, Mikaeru san. – respondeu
Fender, parceiro de Hiyuri.
Era sono e preguiça demais para que Hiyuri
emitisse qualquer som que não derivasse de um bocejo, então se limitou em
acenar a mão sem ao menos se virar ou mudar de expressão.
- Chegamos tarde hoje, não? – Mikaeru
falou se dirigindo a Hiyuri.
- Não enche...
- Acordou de mau humor, é?
Hiyuri não se deu o trabalho de responder,
apenas levantou o dedo do meio e voltou a caminhar.
- Pela expressão do chefe, hoje será um
longo dia pra você, Hiyuri. Boa sorte, inútil.
- É engraçado Mikaeru te chamar de inútil
quando você é o policial com melhor rendimento da nossa região. – Fender
comentou com Hiyuri.
- E é só por isso que eu ainda não fui
demitido. Como é que vocês dizem mesmo? “kubi?”*...
- Você acha que o chefe estará muito
zangado pela explosão do caminhão de combustível ontem?
- Nah... – Hiyuri replicou, mas por dentro
ele só conseguia pensar “estamos mortos”.
- Talvez pelo fato do criminoso ter
escapado?
- Possivelmente... – “Sim, estamos muito
mortos.”
- ...Sabe que eu ainda acho que aquele
carro que estava próximo a caminhão que explodiu era do chefe, ne?
- Aaaaah! Eu não quero mais entrar aí! –
Hiyuri parou de repente e disse em voz alta enquanto apontava para a porta. –
Não quero!
Mas era tarde demais...
Foram quase sete minutos para percorrer
cerca de 6 metros. Um recorde no quesito enrolação. Mas a voz irritada do chefe
podia ser ouvida do lado de fora e ela mandava que os dois entrassem de uma
vez.
- Sentem-se. – o chefe falou por entre os
dentes e isto foi tudo o que conseguiu dizer “com calma”. A partir de então
foram só gritos. – Seus incompetentes! Inúteis! Desgralados!
- Calma, chefe. – Fender tentou intervir.
- Calma?! Como calma?! Vocês explodiram um
caminhão de combustível em meio a uma área urbana, seus idiotas. Explodiram o
meu carro! Meu precioso carro!
- Xiii...
- Que foi? – Hiyuri entendia os gritos,
mas não entendia muito do japonês.
- Era mesmo o carro do chefe.
- Ow droga...
- Vocês nem ao menos prenderam o
criminoso! Então como você me pede calma?
- Bem... É que...
- Cala a boca! O prefeito me ligou e vocês
fazem ideia do que eu tive que ouvir?
- Ele vai acabar tendo um treco. – Hiyuri
falou.
- O chefe disse que o prefeito ligou.
- Ow droga...
- Fender! Pergunta pra essa porcaria de
parceiro o que ele tem a dizer sobre isso!
- O chefe quer saber o que você tem a
dizer sobre isso...
Hiyuri se levantou de imediato e parou bem
no meio da sala.
- Nós quase o pegamos. – ele falou
enquanto batia com o punho fechado sobre a palma da mão aberta.
Fender e o chefe se calaram por um
momento.
- É só isso? – Fender perguntou.
- É ueh. Quer que eu diga mais o que?
- Que tal “desculpas” e “vamos captura-lo
haja o que houver”?
- Não combina comigo...
Os olhares se voltaram novamente para o
chefe que estava ainda mais vermelho. As artérias do seu pescoço e testa
saltavam.
- Eu não sei como você consegue, mas mesmo
sem entender o que falou, acho que você o irritou.
= Ele já estava nervoso antes...
- Mas agora parece que ele vai explodir.
- Será?
- Saiam daqui! – o chefe gritou por fim. –
Saiam da minha sala e façam seu trabalho. Vocês vão escrever o relatório sobre
a explosão e pegar aquele lixo de humano que deixaram escapar! E farão isso até
a o final da semana! Senão...
Fender se levantou e Hiyuri o acompanhou.
Atravessaram a porta e saíram da sala enquanto o chefe terminava de liberar sua
raiva numa sinistra e quase insana gargalhada.
- O que ele disse? – Hiyuri perguntou,
quase com medo.
- Pegamos o bandido ou “kubi”...
- Vixi... Dá tempo de fazer xixi e tomar
café da manhã antes?
- Aproveita e lava essa cara. Você é
normalmente feio, mas agora tá horrível.
- Ah, cala a boca.
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